sábado, 22 de setembro de 2007

À distância... em 2007


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Ontem, quando me despedi dos encarregados de educação, na escuridão de uma sexta-feira, ao cair das 21:00 horas, lembrei-me desta foto em que ainda não teria 1 ano e meio, pouco tempo depois de a minha irmã ter nascido.
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Vivi na casa da escola, em Abrantes, até aos 6 anos de idade. Os meus pais pegaram nos haveres e nos 4 filhos e concorreram os dois para Lisboa, Porto e Coimbra.
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A minha mãe não queria que os filhos sofressem a separação dos pais quando chegasse a hora de tirarem um curso superior. Tinha sido uma experiência dolorosa para ela, certamente.
E ficámos todos juntos no Porto, que passou a ser a minha cidade, mas nunca a amei, como se pode amar um lugar.
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Se me tivessem perguntado se eu queria sair de Abrantes, aos 6 anos, eu teria dito que não.
Se o tivessem feito mais tarde, quando fosse altura de tirar o tal curso superior, eu teria dito que não.
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De facto, os pais que aparecem nas reuniões com os Directores de Turma mostram que querem o melhor para os seus filhos, mesmo quando, raramente, lhes perguntam o que eles querem. Mesmo quando nos dizem que, se for preciso, puxe-lhe as orelhas, ou bata-lhe... [Não estão a ver-me, apesar de ser demasiado alta, mas a pesar 53 quilos, a bater num desgraçado(a) de um(a) aluno(a) de 10º ou 11º ano, não é?]
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Então, ao sair do portão da escola, a relembrar os rostos dos pais e das mães dos meus alunos e alunas, pensei que é quase como ter outra turma, de gente mais velha, que olha para mim como se eu tivesse a solução para problemas tão maiores!... E que acreditam nisso!
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Lembrei-me dos meus pais e das escolhas que eles fizeram por causa dos filhos. Lembrei-me dos meus dois irmãos mais novos deixados ao cuidado e aos caprichos, da irmã mais velha, porque o Porto era uma cidade desconhecida... Lembrei-me da minha mão esquerda, picada vezes sem conta no mesmo ponto, pelo alfinete das fraldas do bébé, para não o picar a ele.
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Lembrei-me de como o ar de tristeza e de febre, desta foto, anunciava a sensação futura de me terem roubado o lugar de uma princezinha [que até vivia numa casa com um jardim rodeado de ameias], para me transformarem numa gata borralheira! E que nunca me perguntaram nada. Se queria, se podia, se era capaz... Porque tinha 6 anos!?
Nos dois meses de mudanças para o Porto tive que crescer o dobro, certamente.
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Estes pais e estas mães... confiam em mim, tal como a minha mãe e o meu pai o fizeram, para os substituir e superar (até), para cuidar dos seus filhos e filhas, enquanto estão na escola.
Ninguém se substitui aos pais. Raramente os filhos aceitam esta inversão de papéis. A minha irmã nunca aceitou e eu percebia! Nomeadamente, quando já têm mais de 15 anos...
Como se adiantasse dizê-lo!... É necessário e a necessidade tem muita força.
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Talvez, por isso, os meus pais não me perguntaram se eu queria, se podia, se era capaz... As marcas do alfinete fizeram prova da minha responsabilidade precoce.
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Que outras opções havia? Que outras opções existem, hoje? Quase nem vemos os filhos. Estão fora de casa o dia todo. Têm treinos à noite e jantam à hora de ir para a cama. Sou eu que almoço com eles na cantina. Eu é que sei o que eles comem... e o que deixam no prato. Mas não é sempre, nem com os mesmos. Não tenho o dom da ubiquidade.
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Quanto ao que aprendem nas disciplinas do currículo e ao que se lhes ensina, para já, não pareceu grande preocupação.
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Se simpatizei com eles? Claro que simpatizei. Se os entendo? Entendo.
Mas é mais uma turma, no meu horário de trabalho, para a qual terei que preparar outros materiais e definir outras estratégias de interacção.
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Numa semana, conheci centenas de pessoas diferentes.
Certo é, que não me foram, nem são indiferentes. E disso, eu já tinha saudades.
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6 comentários:

  1. Da foto lembro-me... e de outras coisas que escreveste, claro!
    É certo que a escolha da mudança não foi o receio de separar os filhos dos Pais... foi, isso sim, a angústia da Mãe se vir a separar dos filhos.
    Reflexos naturais de uma forma de estar na vida... a da nossa Mãe.

    Eu tive a felicidade de vir para o Porto aos dois anos.
    Recordo a casa da escola, mas ao longe, como me recordo de algumas fotos antigas e já nem sei se é da casa que me lembro, se das fotos!
    recordo a chegada ao Porto, mas, porque cheguei mais cedo... consegui fundir-me com a cidade.
    E, hoje, Abrantes não passa de uma passagem breve, sonolento...

    O Porto... esse sim é o meu abrigo!

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  2. Também acho que é para ler dessa maneira, pois então!
    Desculpa os caprichos da saudade de uma infância que só durou 6 anos. Que mais dizer?
    Eu comecei a falar cedo demais. A minha memória é demasiado "antiga". Às vezes, preferia que não o fosse.
    Lembro-me, perfeitamente, dos dias em que cada um dos meus irmãos nasceu. As irmãs do Hospital nunca tinham visto um bébé tão lindo como tu, loirinho e com os lábios muito vermelhinhos, um "anjo", diziam.
    Ainda bem que se enganaram!... :)

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  3. O que eu sei é que os teus alunos vão ganhar muito em ter-te como professora. Os Pais deles também.
    Eu sei.
    Um beijo com saudades.

    PS. Eu não cuidei dos meus irmãos, porque sou a mais nova, mas também acho que não brinquei o suficiente. É por isso que guardo na minha personalidade qualquer coisa de criança. Acho que é por isso. E é bom.

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  4. Um bom ano lectivo. Pleno de energia e de entusiasmo.
    Abraço

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  5. Eu não tenho grandes coisas para lembrar da minha infância. Mas a minha memória ainda dá, infelizmente, para lembrar a ida para o Instituto de Odivelas (interna) deixando no Porto os pais, as irmãs e as amiguinhas da primária. Tinha 10 anos... Vidas...
    Depois de muitas peripécias e desilusões, cá estou com os meus pequerruchos do 7º ano a conversar sobre estrelas, planetas, cometas e afins... No meu tempo isto era Geografia, hoje é Física.

    Um beijinho e bom trabalho

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  6. Apareça se faz favor! Sempre ajuda a "matar" algumas saudades.
    Beijos

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