quarta-feira, 30 de abril de 2008

Tempos de Maio, em crepúsculo de Abril...


.
.Em vésperas de 1º de Maio, dia do trabalhador, não sei o que me parece ter que trabalhar [e com esta falta de vontade…].
Que tempos são estes, em que tudo me parece de uma inutilidade fragilizada e que fragiliza?
.
.
Não me faz bem o convívio semanal com os meus Confrades da Filosofia [que já pouca filosofia leccionam, com o proliferar de novas disciplinas, regateadas para o nosso grupo, com receio de se esvaziar a carreira…]. Definitivamente, não me faz bem. Fora raras excepções, ouço o discurso do caos e do sem remédio [que remediado estaria – palavras da minha avó!].
.
.
Andamos à volta do perfil do aluno, há três sessões e, como seria de esperar, não se chegaria a acordo, mesmo que fosse essa a discussão [que não tem sido, maioritariamente falando].
Carpir é o verbo mais adequado, quando não se puxa da citação para revelar desagrados pessoais sobre autores de manuais da disciplina, por exemplo.
Depois, colocar a questão do aluno como o nativo digital e os professores como mutantes do papel para o digital, é de uma ingenuidade colossal, plasmada num diapositivo pindérico de um PowerPoint que não há meio de avançar.
[Entre mim e os meus alunos, a que domina melhor os meios digitais, devo ser eu, bem como a que tem melhor equipamento informático, em casa.]
.
.
De facto, a única tecnologia que os meus alunos dominam com melhor destreza do que eu, são os telemóveis [um ou outro, o Ipod]. E não o faço melhor, porque não preciso, de facto. Mas também consigo mandar um SMS sem olhar para as teclas… É uma questão de economia de tempo, ou não ter os óculos de ver ao perto [por perto…].
Quanto a jogos da PlayStation, já tive os meus dias, quando jogava com o meu filho, na outra consola [ainda ganhei alguns e passei de nível, várias vezes].
.
.
Nos tempos em que andava no liceu, talvez mais nova do que os meus alunos [essa, é capaz de ser a diferença, substancial], lembro-me dos recadinhos em papel, que eram transportados de mão em mão, até chegarem ao destinatário, por vezes, interceptados pela professora e com direito a grandes reprimendas, que não nos impediam de prosseguir com a brincadeira.
Também tínhamos intervalos para conversar uns com os outros, não se justificando, aparentemente, tal necessidade de comunicar dentro da aula.
Mais ainda, tínhamos furos [e não eram poucos…], onde aproveitávamos o tempo como queríamos, dentro da escola, estirados na relva, quando estava bom tempo, ou nos bancos do salão polivalente, perto do bar, quando chovia…
Mesmo assim, os bilhetinhos escritos e os olhares cúmplices persistiam, com a respectiva distracção, que lhe estava subjacente, continuando nas aulas seguintes.
[A este propósito, os meus alunos serão nativos digitais… apenas porque o medium é um telemóvel?].
.
Actualizo, rotineiramente, para cada turma, a plataforma da Escola. Contam-se pelos dedos [de uma só mão], quantos são os alunos que fazem acessos numa base quinzenal. Já nem digo semanal! Uma grande parte, não tem internet em casa. Na escola, não têm horário. Nos cibercafés pagam. Não é fácil requisitar portáteis para aulas de substituição [que, quer queiramos, quer não, na maioria dos casos, não têm plano de aula…].
Por isso, são os meus alunos que continuam na era das fotocópias e eu na era digital, praticamente, sozinha.
.
.
Continua a escavar-se um fosso entre os que têm e os que não têm. E não é por desleixo, ou falta de vontade. Os portáteis da Sra. Ministra não são oferta. Obrigam ao pagamento de uma mensalidade, prolongada no tempo. Instalar e configurar a internet, em casa, implica mais do mesmo.
Os meus alunos não são os alunos dos outros professores. Ponto final e vice-versa.
.
.
O perfil do aluno?
É a diversidade infeliz...
Essa realidade não está no diapositivo, sobre o qual não se avançou nada, em três sessões.
Começo a concluir que as diversidades são, cada vez mais, sinais de infelicidade e de vida nas margens.
Por outro lado, o rio e o seu caudal não passam de um ribeirito, para os eleitos refrescarem o dedo grande do pé [não sem um certo nojo, porque a água tem as cores da estagnação e da futura secura e porque há piscinas em casa...].
.
.
Por estas e outras [razões?], não me sinto bem entre pares?
Nem me apetece cumprir certas normas superiores?
Nem me acho capaz de compactuar com estas assimetrias que a escola acentua, porque não se esquiva a reproduzi-las [para além da falta de seriedade como se ensina - o quê - e se avalia – o quê …]?
E dou comigo a falar o discurso de outros e a sentir que, se não me convence, como posso continuar a falar?
Não façam.
Não digam.
Não.
Não.
Não.
.
.
[A primeira palavra que o meu filho aprendeu a dizer não foi mãe, nem pai. Foi NÃO, para grande tristeza da família. Apenas pensei que talvez lhe desse mais jeito do que chamar pela mãe, ou pelo pai. Quando o ouvia, sabia que talvez fosse importante aproximar-me e averiguar. De certa maneira, também era um chamamento…]
.
.
Foto de um crepúsculo do dia 25 de Abril de 2008

domingo, 27 de abril de 2008

À Flor dos meus dias...



.
.
Ontem, acordei cedo demais [como agora costuma acontecer, mesmo quando podia recuperar sonos atrasados…], sem qualquer vontade de escrever, o que me pareceu estranho.
Por isso, percebi o imenso cansaço do corpo, mais do que é habitual e a tristeza que se lhe associa, também.
Certo é, que passei o feriado a trabalhar debaixo de um sol abrasador, de fato de macaco vestido e pouco mais.
Os painéis, para serem intervencionados, podiam estar à sombra, mas não. Estavam debaixo do sol tórrido e quase inesperado do dia 25 de Abril.
Custou muito mais. Tudo tem que custar muito mais [pareceria kármico, se não tivesse sido igual para todos.]A cola secava com tal rapidez, que seria impossível fazer as colagens sozinha…, mesmo que quisesse, mesmo que pudesse.
Pouco tempo para pensar.
Muito tempo para piorar…
.
.
Missão cumprida e regressámos.
Outras missões por cumprir me aguardavam. Os feriados obrigam-me a fazer os testes, para os alunos, com muito mais antecedência e a preparar as aulas de revisões, para algumas turmas, antecipadamente. [Já dei comigo a pensar que preferia não ter feriados, para não perturbarem as minhas planificações…]Depois, não sei como é que faço, porque é que o faço, mas há anos que passo os feriados a trabalhar.
Se me deu prazer, o que fiz no 25 de Abril? Se senti que era 25 de Abril?
Foi tudo tão debaixo de sol e tão doloroso que não senti nada. Apenas, uma imensa vontade de acabar e regressar.
Num determinado momento, talvez tenha sentido saudades da juventude, contemporânea desses dias de Abril, em que tudo parecia ser, ainda, possível.
Desses dias em que dizer, quando for amanhã… tinha um significado próximo da forma como digo [cada vez menos] se fosse hoje, teria feito…, teria dito…, teria…
.
.
Sábado, acordei cedo e tratei de passar pela farmácia antiga, à espera de conselhos que não tive, porque a farmacêutica não estava.
Mesmo assim, porque a experiência me ensinou, à custa de ser experiência, tratei de trazer o que preciso para combater os venenos e os efeitos, de todas as purgas que o médico me receitou. Largo espectro!... Mata tudo, indiscriminadamente, estupidamente, sempre a avançar… na matança. No final, fica um rastro de dizimação fisiológica que dá pena.
Pois foi uma pena, não ter faltado dois dias, para curar uma virose, que passaria, sem ter apanhado todo aquele frio e aquela chuva, a começar de madrugada… e a chegar bem à noite.
Também foi uma pena, ter apanhado o sol aberto que lhe sucedeu, quando fui avisada, aqui em casa, da probabilidade de ser como foi.
.
.
A Marta, no seu blog, colocou um desafio, para mim e para outros, que eu deveria reenviar, tentando perceber porque fazemos blogs
No que me diz respeito, Marta, é talvez pela mesma razão que me fez não escrever nada, desde quarta-feira... e, pela mesma razão, me fará escrever hoje.
É das poucas coisas que faço, ou não faço, porque me apetece. E há tanta coisa que não me apetece e outras que me apetecem cada vez menos e que faço, com um sentido de obrigatoriedade ética, quase kantiano!... [que, assim, vou escrevendo, quando me apetece].
Da mesma forma, entendo que será a razão porque os outros o fazem e não os desafiaria para responderem a tal desafio[porque é o prazer de os ler, quando lhes apetece escrever, que me faz voltar e comentar, assim, quando me apetece].
Quanto ao teu blog, Marta, é a tua escrita juvenil que me faz gostar de te ler, atenta a questões do mundo e dos viventes, apesar da tua pouca idade cronológica e por isso mesmo.
.
.
Quando fiz quarenta anos, comuniquei a todos que tinha chegado o momento de privilegiar a vontade. Tinha chegado o tempo de dizer que – não – a obrigatoriedades desnecessárias e para cumprir calendário, ou as vontades egoístas dos outros.
Durante pouquíssimos meses, andei iludida, nesta tola convicção [aliás, muito mal acolhida e compreendida, pelos que me eram mais próximos, o que me surpreendeu e hoje, não me surpreenderia!... “A roubar… é à família!...” – comentava a minha avó, com o seu cinismo tão perspicaz…].
Rapidamente, percebi que, não se tratando de egoísmo meu, mas da expressão de um cansaço ao qual me queria poupar, a mim e aos outros [nunca fui boa companhia contrariada], as obrigatoriedades não diminuíram. Pelo contrário, foram crescendo, exponencialmente e, pouco a pouco, tornaram-se incontroláveis, para mim.
Restou-me começar a apontar os compromissos, em agenda própria para o efeito e obrigar-me a consultá-la, várias vezes ao dia.
É o que continuo a fazer… Por isso, sei – sempre – que o tempo não está a meu favor e o pouco que faço, porque me apetece, não estando anotado na dita agenda, é um extra que pago caro, mais cedo, ou mais tarde.
.
.
Alguém poderia opinar, muito sensatamente, que deveria criar um espacinho na agenda, para o que me apetece… Sorrio, sozinha, pois então!...
Ora, o que me apetece é deitar fora a agenda!
O que me apetece não vem à flor dos meus dias… lamentavelmente... [mas só para mim, que sendo única, sou apenas uma… e os números, nas suas diferentes acepções e utilizações, são de uma evidência escandalosa, ameaçadora, mesmo.]Depois, penso em todas as mulheres de vermelho, de que falava o Herético, no Relógio de Pêndulo, com o emprego a prazo, quando o têm e sem direito a vontades e apetites… e relativizo.
.
.
[Relativizar, parece ser o que melhor faço, sem precisar de espaço e tempo na dita agenda, cada vez com menos vontades e apetites… e com as mãos cheias de nadas, que encheriam as mãos de outros, certamente. Mas não enchem as minhas…]
.
.


.
.
25 de abril de 2008, Fotos para um cartaz bem suado a dois

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Quarta-feira em tons de Azul



Não pensava chegar, assim, de uma quarta-feira em que quebrei a rotina do trabalho de escrava [qual copista, dos tempos que correm, sentada em frente ao PC a escrevinhar em tudo quanto é software] e ainda conseguir fazer o post deste dia da semana.
.
.
Resolvi escaqueirá-la, um pouco mais, guardar os trabalhos dos alunos para mais tarde e sentar-me, no sítio do costume, para lhe dar outra utilidade.
.
.
O que tenho para escrever não é quase nada, porque conversei o quanto baste.
Resolvi ir ao encontro da Tinta_Azul, da mesma forma como ela própria se desloca – de Metro.
Estava aquela chuva miudinha, que no Marquês torna tudo mais cinzento e o jardim mais despido de gente… [Se há estação de Metro, no Porto, mais feiinha, deve ser esta!... Não lembra nada e facilmente se esquece.]
Antes de entrar nos subterrâneos lúgubres, reparei numa estranha coincidência e não resisti. Fotografei a inversão.
.
.

.
.
Alguns estudantes do secundário, vindos dos três externatos das imediações, ajudaram-me a definir o trajecto. Como ando tão pouco de Metro, é sempre uma desesperante novidade. [Por outro lado, nunca fico à espera sozinha, o que não deixa de ser reconfortante.]
.
.
Tive que fazer o transbordo na estação da Trindade, apenas por três paragens [do Marquês, só há continuidade para o Hospital de S. João, que serve, mal, a nova zona universitária. O meu filho que o diga…].
.
.

.
.
Como fui cedo, de propósito, para gozar com o tempo e gozar o tempo [que não é bem a mesma coisa…], finalmente, observei bem o painel do Júlio Resende, em homenagem às vendedeiras do problemático Mercado do Bolhão. [Mais uma das implicâncias desta autarquia…, pelo menos, eternizado no mural cerâmico, bem tradicional, com alguns tons de azul mas, predominantemente, cobalto, branco estanhífero e um ar de graça, em amarelo! Homenagem à tradição, pelo menos na parede…]
.
.

.
.
Apercebi-me que não passava pela Rua de Santa Catarina há que tempos!... Não me lembrava já da Capela das Almas, em frente à saída do Metro [vá lá, não ficou mal de todo…] e continuava a chuviscar, de vez em quando.
Onde está o bom tempo prometido?
As comemorações do 25 de Abril vão ser à chuva e ao vento? Mau presságio…
.
.
Entrei em algumas lojas, mesmo só, para matar o tempo. Até me apeteceu comprar calçado de Verão. E comprei. [Numa loja para homens… que eu acho sempre mais interessantes e menos distractivas do que as de senhora. Nestas alturas, penso que sorte a minha, em ser enorme e poder calçar os números mais pequenos, que os homens do meu tamanho nem calçam!...].
.
.
Encontro à saída do Metro no tempo certo.
Soube-me bem revê-LA, assim, sem grandes alterações aparentes, para além do cansaço, que não se disfarça, nem se tenta!...
Conversámos muito e pouco. Nunca se põe a conversa em dia.
Até falámos das mães!...
.
.
Senti saudades da antiga vizinhança de gabinetes e de como sabia bem interromper, para fumar um cigarro, mesmo que fosse para conversar de trabalho, mesmo que fosse para nos rirmos, de pequenas desgraças rotineiras, fazer divergir o pensamento e trocar ideias sobre tarefas diferentes, mas complementares. [A informação circulava e o trabalho rendia mais.]
.
.
Mas os dias de ontem são passados e hoje, nada seria igual. Para mim, seria insuportável, mesmo.
Depois, porque nos queremos bem, encontrámos formas de proximidade outras, que nos fazem despedir com um até logo [insolitamente e no meio de conhecidos, que sempre aparecem, porque o Porto é uma cidade tão pequena…], que nos poupa a lágrima no canto do olho… Porque é um até logo!
Então, para celebrar este encontro, ao vivo e a cores com a Tinta_Azul, o céu despiu-se de nuvens e o sol apareceu. Tal e qual! Céu azul…
.
.
No regresso, tive direito a dois fiscais de linha, a mais dois polícias, que me voltaram a indicar o caminho, antes que perguntassem fosse o que fosse… [Em três paragens, com um transbordo, acho que foi suficiente.]Não houve ocorrências a registar e, ainda bem, porque num dia em que decidi gozar com o tempo e, até, matar o tempo, quem sabe, não seria acusada de alguma kafkiana transgressão?...
.
.No regresso a casa, a pé e carregada, do que fui despindo e do que comprei, descobri por entre as grades do palacete, que tanto me intriga, um tufo de rosas vermelhas [antes fossem cravos, mas eram o que eram e fotografei-as, como pude, sem pousar as tralhas…].
.
.

.
.
Uns passos mais à frente e lá estava a laranjeira, carregada de laranjas, que apodrecem de maduras quando caiem no passeio.
VermelhoLaranjaAzul!
.
.

.
.
[Colorido, sim. Até os pratos do almoço eram um festival de cores. No entanto, nas nossas roupas, predominava o negro… que eu reparei. Disfarçado. Mas negro.]
.
.


Fotos de um tempo dedicado à Tinta Azul

terça-feira, 22 de abril de 2008

Para que lado tomba?


.
.
Não sei bem porquê…
Cheguei da Escola com vontade de fazer balanços.
Entretanto, o cansaço venceu-me e deitei-me no sofá, disposta a dormir sonos da véspera, como sempre.
Tirei o som à televisão, em frente, mas não dormi. [Também não me lembro do que vi no écran.]
Não estava nos meus planos escrever nada, sequer.
Quando muito, se recuperasse, talvez me decidisse a corrigir alguns trabalhos de alunos [de qualidade bastante duvidosa, mas assíduos, na tarefa].
.
.
Acho que, sem me dar conta, tratava de fazer os tais balanços, enquanto o corpo deve ter descansado [apenas, pela postura – horizontal…].
Para que lado tomba a nossa avaliação das situações? Deve ser por isso que se chamam balanços.
Para que lado tomba a minha?
Para que lado?
Qual dos lados?
.
.
De repente, sinto-me bem mais dicotómica do que me julgava ser.
[Será das companhias, será…]Parece-me que só há dois lados e não me encaixo no meio-termo.
Não sinto que exista um lado para cima, por onde possa iniciar um movimento em espiral. [Recuso-me a pensar no lado de baixo, com sete palmos de terra!]
Só parecem existir dois lados:
Ou insisto em fazer o que tenho andado a fazer…
Ou desisto…
.
.
Estou como este monólito branco, com algumas manchas de sujidade. Não consigo ser tão invulnerável quanto desejaria.
Sofro as influências dos lugares e das pessoas, como qualquer criatura viva. Passam por mim e deixam marcas.
Não deixam pinceladas artísticas…
Nem eu, com estes traços de usura, consigo desenhar nada mais criativo do que aquilo que é [marcas de mãos sujas, raspões sem intenção, cores indefinidas da passagem dos outros e do tempo].
.
.
Espero que acabe [o melhor possível] o ano lectivo. Continuo a preparar aulas e tudo o que as acompanha…
E, talvez [se calhar], a proximidade da primeira vaga de testes tenha sido a razão, mais próxima, para esta urgente vontade de fazer balanços.
Quero isto para os meus dias futuros?
Vou manter-me de pé [mais ainda, sem arredar pé], vestida de um branco cada vez mais sujo, pelas máculas inevitáveis de ter decidido insistir e não desistir?
.
.
Porquê hoje, outra vez, numa sensação que não é nova?
Será a proximidade dos testes…
Será a proximidade
Será…
.
.
Alguém, há muitos anos, me disse que eu tinha uma visão demasiado estética da filosofia. Estendeu-a à visão do mundo [afinal não acrescentou grande coisa…]. Pelo tom com que foi dito, não entendi que se tratasse de um elogio.
Aliás, pareceu-me mais uma praga rogada, como uma bofetada, na cara.
Devo ter feito de conta que não ouvi.
Utilizei essa táctica, da surdez selectiva, frequentemente [talvez inspirada no meu pai, cuja falta de audição nunca me convenceu, mas também fiz de conta… e punha a minha mãe em fúria], deixei as palavras no ar, mas não voaram com o vento.
Não as esqueci.
.
.
Mesmo não sendo um elogio, também não foi uma inverdade. E, o que me leva a revisitá-la, é que me faz falta, essa suposta visão estética do mundo.
Certamente, era eu que a construía…
Certamente, era eu…
Certamente…
.
.
Esforço-me por reencontrá-la, nos mais pequenos detalhes, apesar do sono, do cansaço e das manchas de sujidade, numa superfície originariamente branca [onde tudo poderia ser inventado, escrito, pintado, desenhado, modelado…].
O problema deste balanço é descobrir uma lição que eu deveria saber de cor.
A lição é, tão simples…
Não era preciso qualquer esforço.
O esforço seria a morte dessa suposta visão estética do mundo [não do meu mundo, mas do Mundo, pensado à maneira da filosofia].
.
.
Bastava imaginá-lo, bastava senti-lo, bastava estar, bastava ser.
Balanço por acabar, já não basta!
E não há esforço que me faça voltar a ter esse trágico defeito: um pensamento estético sobre o mundo e sobre tudo o que este conceito imenso e vasto possa abarcar.
E isso, não se aprende. É assim, nada de elogioso, sobre mim…
Pelo contrário, aprendi que fui capaz de o esquecer [e não sei o momento em que tal aconteceu, ou foi acontecendo…].
.
.
[Mas, como sinto a falta desse defeito, meu!...]
.
.
Foto de coluna, originariamente branca

domingo, 20 de abril de 2008

Uma boa semana...



.
.
Mês de Abril, com 30 dias e um feriado, que se aproxima...
[Sexta-feira, eu deveria estar longe. Deveria.]
.
.
Espero que as purgas farmacológicas resultem, em pleno e não me façam padecer da cura em vez da doença.
Esta semana não tenho que ser aluna entre pares. Não sentirei a menor saudade, lamentavelmente [acho que deveria sentir a falta, mas não sinto].
.
.
Desejo-nos uma boa semana, curta e que nos seja leve [bem basta carregar com tanta pasta e tanto equipamento informático de sala em sala!...].
.
.
[Não sei se terei tempo para aparecer na quarta-feira... Vou falhar no calendário. Ou, então, aparecerei de outra maneira...]
.
.
Foto modificada retirada da net

sábado, 19 de abril de 2008

Abri(l)...


.
.
Temos reserva de água até 2009, ouvi ontem de manhã, a caminho… depois da madrugada obrigatória de sexta-feira.
A terra estará bem encharcada, para quando chegarem os incêndios…
[O húmus, também terá entrado nas profundezas dos campos, que estão em pousio, presumo. Ou presumirei mal?]
.
.
A mim, esta chuva de Abril, Águas Mil, fez-me piorar.
Acordei com a sensação de um “piquinho” de febre… [logo eu, que tenho temperaturas de animal de sangue frio…]
.
.

Lá fora, a chuva continua a cair. Ouvi-a de noite. [Onde será que os sem abrigo se abrigaram? Parece não haver sítio onde a chuva não chicoteie, com rajadas de vento, que a fazem rodopiar... E há os velhos conhecidos que circulam por aqui. Onde estarão?]
.
.
A chuva, vejo-a, agora, que me levantei e olho para o jardim, como se fosse ainda noite, como se fosse ainda ontem...
De repente, volta a cair com força.
Forma um tapete líquido e quase uniforme, de assustar.
.
.
Mais dois dias sem sair de casa, a tentar curar o que não melhorou…
Já não vou onde queria ir. [Se calhar, nem queria muito…]Aproveitarei para trabalhar…
Se puder, para descansar …
… E talvez tenha que ser vista por um médico… [Essa parte, saltaria de bom grado!]
.
.
Só para variar, mesmo só para não ser sempre igual, gostava de acordar, um dia [um dia que fosse…], sem me doer nada. Nada.
Aí, faria uma festa para o meu corpo, só para ele!... Alimentava-o com tudo o que quisesse!... Faltava ao trabalho para o sentir rodopiar de felicidade…
.
.
Como esse dia já me cansou, de o esperar, alimento-o, porque é preciso e vou trabalhar. Depois, esqueço-o, sempre que posso [e ele deixa] e regresso, numa eterna zanga conformada.
Pensarei sempre que podia ser pior [com a nostalgia de quem não deixa de desejar que pudesse ser melhor…] e à revelia, com a rebeldia do hábito, lá me faz companhia, sempre atrás de mim, um pouco mais atrás... mas, faz-me companhia.

[Houve noites em que sonhei que o corpo era a minha sombra. Só o via plasmado em cinzento, no chão. Mas lá estava, à espera de um movimento meu. Não o fiz. Fiquei imóvel até acordar. A sombra não se mexeu, que eu vi!...]

.

de uma mão que podia ser a minha, Foto retirada da net e manipulada
.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Uma metáfora para uma quarta-feira...



.
.
Se há dias que custam a viver, ontem, foi um deles.
Sobram as consequências para a quarta-feira…
.
.
E sobram para mim que, incapaz de pensar global, penso local.
Incapaz de relativizar, de momento, tudo se concentra nesta garganta arranhada, que parece inchada [por onde os alimentos doem a passar… quando passam], nesta irritante dor de cabeça, que não chega a ser [nem deixa de ser, mas que me faz lacrimejar], nas dores nos ossos e nas articulações [de tantas movimentações de um lado para o outro, carregada de tralhas pesadas].
.
.
Penso: se chegar ao Verão…
Pois, se chegar ao Verão, talvez consiga aguentar mais um ano, assim… e mais outro…
.
.
Já não é a primeira vez que tenho esta sensação, quase certeza, de que estico uma corda, de cuja resistência duvido muito. Nunca tive tempo para a substituir por uma mais forte. [Aliás, assumo que escrevo um metáfora… Qual corda? Substituir o quê?]
.
.
Mas, bem que me lembro das cordas do baloiço da casa do meu avô paterno [num Setembro morno e quente da Beira Interior] … lassas, quase a rebentar…
Se não deixava os meus irmãos aproximarem-se, com medo, insisti eu em andar no baloiço todos os dias!
Subia por cima da latada e via a copa imensa da árvore de tília e o céu azul e pensava que não me custaria morrer, assim.
Acabaram por trocar as cordas a meio daquele Setembro em que, pelos vistos, desafiei a morte e não morri.
.
.
Teria os meus dez anos, pouco mais ou pouco menos…
Cordas renovadas [e testadas por mim] e os mais novos tiveram direito ao baloiço, a tempo inteiro. Afinal, foi coisa de poucos dias.
.
.
Houve muitos episódios quotidianos em que estiquei uma corda lassa e cheia de fios soltos da trança principal.
Se acreditasse em anjos ou na vida depois da morte, poderia pensar que a minha madrinha, ou o meu avô paterno, de onde estivessem, chamariam a si a tarefa de substituir a corda, que eu insisto em esticar, até poder rebentar.
[Mas não. Não acredito.]
.
.
Hoje vou tentar curar, num só dia, esta sensação de mal-estar. Sozinha.
Finalmente, os vírus dos meus alunos apanharam-me! Quem me manda a mim estar tão próxima? Quem me manda a mim…
Aqui em casa, insistem em que eu devia evitar a proximidade física, lá fora.
Aqui em casa, incentivam-me a cultivar a distância, lá fora.
Aqui em casa…
Mas, a minha vida não se confina às paredes da minha casa.
Nunca me dei ao trabalho de contar quantas pessoas se relacionam comigo num só dia, lá fora!... Nunca me dei ao trabalho de contar como é importante a forma dessas relações, porque é. [E não consigo discorrer, com esta dor de cabeça, sobre essa importância…]
.
.
Então, pensando local… penso global: é importante, para mim, a forma de todas as relações.
São importantes, para mim, pessoas de quem nunca me aproximarei, fisicamente, mas cuja integridade física me preocupa.
Por isso, faço o movimento inverso e relativizo, sob pena de continuar a esticar uma corda lassa... [sob pena de poder morrer por um metáfora!]
.
.
E não adianta provarem-me, por A mais B, os efeitos nefastos da proximidade física, lá fora.
Apesar da fragilidade do meu corpo, mais que comprovada ao longo dos anos e desde que nasci [que sempre senti que me falhava, quando eu mais precisava dele], insisto em pensar que aguenta, porque eu quero, ou porque preciso dele.
.
.
[Vou bebendo chá morno… Encharco o nariz com soro fisiológico… Protejo-me das correntes de ar, quando abro as janelas, para o renovar… e olho para a corda lassa… e penso que acredito que o miolo da trança é mais forte do que eu.]
.
.
Foto de cordas, que resistem

segunda-feira, 14 de abril de 2008

[Re]construções...


.
.
[Re]construir...
Salvar o que ainda é últil?
.
.
Salvar o que ainda é? Ponto final? Parágrafo?
.
.
Paragrafando, este contraste
entre o velho edifício e as novas calhas metálicas
parece criar qualquer coisa definitiva.
.
Assim me pareceu..., o antigo torreão abandonado.
Agora, aprisionado
[sem Bela Adormecida...]
.
Insólito conto urbano.
Insólita contemporaneidade.
.
Mas...
uma construção outra
definitiva[mente].
.
.
[Não sei o que esta semelhança com um jogo de Legos irá desvelar. Terei que esperar... cem anos?]
.
.
Foto de prédio antigo, numa rua perto de casa

sábado, 12 de abril de 2008

(Des)agregar...




.
.
Dividir para juntar.
.
[Repartir...]
.
Análise e síntese.
.[Descoberta...]
.
Desmembrar [para já...].
.
.
Foto manipulada de um canteiro invertido e retalhado

Da flor dos Káktos e da "flor dos dias"...

.
.
Porque os Káktos
se deixam ver
para além dos espinhos...
Porque há flores de um vermelho
carnudo, carnal,
de sangue e sanguíneo,
que os rompe
e faz explodir
em cor,
eu preciso lembrar...
.
.
Porque... o vermelho não é a minha cor preferida. Nunca foi. Talvez nunca seja.
[E não será por lembrar sangue, certamente.]
.
.
Rapidamente, fui em socorro de muitos golpes feios e sangrantes [que não eram meus...].
Já vi feridas repulsivas [de tão carnais e profundas] e não se me esquivou o olhar.
Páro, quando vejo um acidente na estrada e não está ninguém por perto. Não penso duas vezes, se for preciso mergulhar as mãos no vermelho vivo e gorgolejante, se assim for necessário e me indicarem como o devo fazer [embora as mãos me possam tremer].
.
.
Não associo a morte a esta cor.
Era ela que faltava aos mortos de quem me despedi... [sempre].
Mais depressa a identifico com vida, que ainda pode ser salva, adiada...
.
.
Não me custaria dar sangue, se tivesse o peso conforme à altura... [que não tenho].
.
.
Mas não como carne vermelha...
.
.
[Nunca vesti uma peça de roupa vermelha, assim, da cor da Flor-de-Maio]
.
.
Flor-de-maio, foto de cacto retirada da net e modificada

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Porque nem tudo são "flores"...



.
.
.

do grego káktos ou cardo, Foto de cacto

A Wednesday for the drain...



.
.Não quero parecer derrotista, ou derrotada, mas a sensação que tenho, para o dia de hoje é bem esta:
A Wednesday for the drain!...
.
.
Não estou com a mínima vontade de fazer nada de útil.
Acordei mais cansada do que quando me deitei [aliás, dormia a sono solto no sofá, depois do primeiro episódio de “Uma acção de formação em didáctica da filosofia”, quando fui arrancada do sítio, para subir e dormir em local mais adequado para o efeito].
.
.
Tenho um impresso de oito páginas da Caixa Geral de Aposentações para começar a preencher. Há que averiguar qual a minha situação financeira, caso resolvesse reformar-me já!... Imagino o desenlace deste processo moroso de averiguações!... Deve ser risível, no mínimo. [Isto, se conseguir ter paciência para preencher o dito impresso multipaginal…]
.
.
Quanto a preparar aulas, acho que perdi, definitivamente, a motivação intrínseca! [Também tenho direito a ficar desmotivada. – Estimulem-me! – interpelei uma turma de 10º ano de Filosofia, ontem. – Se insistem em ficar parados à espera do que acontece, também eu começo a ficar assim e a não ter a menor vontade de tomar iniciativas. Ainda vos ponho a ler as páginas do livro e a fazer resumos! - Mas nada acontece daquele lado… Pelo contrário, de repente, no olhar deles, pareceu-me vislumbrar um ar de um certo agrado por tal estratégia medíocre e assustei-me!]
.
.
Do outro lado, na anunciada acção de formação, um rapaz novo conseguiu perder quase três horas com as apresentações. Como não valia a pena começar nada de relevante, saímos meia hora mais cedo.
[A única que tirou notas fui eu, talvez pela deformação profissional da pesquisa etnográfica, sei lá!... Da próxima vez, ninguém sabe o nome de ninguém e vão juntar-se em grupos, aleatoriamente, ou porque vêm das mesmas escolas…]
.
.
Tendo em conta a hora a que me levantei, para dar três blocos de 90 minutos de aulas, com intervalo para almoçar, até agradeci. Ainda fiz duas ou três perguntas pertinentes, antes de sairmos, mas pouco mais [relacionadas com os equipamentos disponíveis, nomeadamente PCs, para podermos trabalhar in situ].
Uma turma de 20 professores de filosofia, com pretensões a filósofos, não vai ser fácil de gerir. São simpáticos, de uma maneira geral, mas a puxarem todos dos seus galões de mestres e futuros doutores [cá para mim, só futuros…, tal como o formador. O tempo escasseia...].
Calei-me, bem caladinha. A área do meu mestrado foi em documentário e antropologia visual. A acção de formação teria tudo a ver: uma reflexão sobre temáticas filosóficas, com recurso à imagem e ao texto… Não vá o diabo tecê-las e ainda teria que andar a filmar, sem a força nos braços que já tive!... Nem pensar! Quanto a isso, silêncio absoluto.
.
.
Mais vale ser frontal, como dois dos participantes e dizer o essencial: estou aqui pelos dois créditos. Ponto final. Mais, paguei por isso!
No fundo, nada mudou, a não ser o preço a pagar pela formação. Quanto à qualidade, mais uma vez, dependerá do interesse dos formandos e pouco mais.
Já me estou a ver a perder tempo. Aquele tempo que já não tinha [mas arranja-se sempre mais alguma forma de o matar].
.
.
Sendo assim, planos para esta quarta-feira? Não tenho! Não quero ter! Se me apetecer, até durmo. [Só espero não ter mais uma enxaqueca. Aí, já teria o dia planificado!]
.
.

Talvez me dê ao trabalho de contar quantas aulas me faltam para chegar ao fim do ano lectivo [um dos poucos exercícios que os alunos fazem com prazer e motivação forte...], quantas quartas-feiras ainda terei pela frente, nesta modalidade… e tentarei preencher as oito páginas intimidatórias. Talvez!...
.
.
A caminho do primeiro episódio que já referi, passei pela casa materna. Ontem, não havia reunião com as amigas, por isso, gastei o tempo a conversar com a minha mãe [livre do seu compromisso das terças-feiras], que foi muito bem empregue e que tenciono repetir sempre que possa, enquanto a novela durar…
.
.
Entretanto, tenho a casa inundada de livros, que as editoras começam a mandar pelo correio. Quilos! Não sei onde vou arrumar tanta árvore derrubada... É assustador.
Começo a lutar com a falta de espaço.
[Esta casa foi planeada para ser minimalista e não me confundir visualmente. Se há coisa que me incomoda são objectos a mais! Eis que chegam e ocupam a largueza do espaço em volta… Até isso me roubam!...]
.
.

Foto de tampa de saneamento em espaço interior, obviamente

sábado, 5 de abril de 2008

Do mar e de marinheiros que não fomos...


.
.
Se eu fosse homem
era marinheiro.
Daqueles que vivem
no bar do cais
e descansam no mar.
Daqueles que vivem
das marés e do vento.
.
Mas vivo na cidade
e sou mulher.
.
.
Poema de 11.Fevereiro.1981
.
.
[Porque, ao ler "Retrato de um marinheiro que nunca o foi...", do Outono de 1999, se tornou presente o que escrevi uns anos antes, sob o mesmo tecto! E, ainda, porque me lembrei do poema no Relógio de Pêndulo, de sexta-feira, 04 de Abril...]
.
.

Foto de mar sem marinheiros, perto de Tavira

Velhos jardins em fins de tarde mornos



.
.
Optei por não sair do carro. Desisti de fazer as compras da semana, sempre que posso passar ao lado [já não sou eu que controlo o que existe dentro das prateleiras da arca frigorífica e outros locais afins, vendo bem].
.
.
Enquanto esperava, o jardim ali estava, mesmo à minha frente, antigo e sólido, quase eterno.
Aproveitava para não sentir o cansaço do corpo [e ansiosa para não ser desafiada para um passeio a pé e ter que dizer – não…], ao mesmo tempo que ensaiava o pensamento sobre as inúmeras possibilidades de fazer outras coisas em vez de dar aulas [francamente, pouco convencida da viabilidade da minha futura e eventual desistência].
.
.


.

.

Um velho jardim com velhas senhoras revelou-se, subitamente, apesar da minha modorra.
Conversavam e conversavam e conversavam… ao longe.
A velha senhora, de lenço amarelo na cabeça [gostei da cor ousada do adereço…], olhou para mim, encolhida que estava, dentro do carro.
Nada comentou. Nenhuma das outras olhou para mim, pelo menos.
O que há para comentar sobre uma figura parada e sentada, dentro de mais um dos carros, estacionados de costas para o supermercado?
Senti-me transparente. Senti-me insignificante. [Eu não era um outro significativo, para variar e não desgostei da sensação.]Despertou o meu interesse.
Peguei na máquina fotográfica, activei o zoom e tirei a primeira fotografia do grupo. Tirei outras.
[Não voltaram a olhar para mim, obviamente…]
.
.


.
.Só depois, percebi que não estavam sozinhas…
Os velhos senhores estavam sentados num outro banco, retirados, mais à esquerda.
[Dois para três. Três para dois.]Os velhos senhores quase não falavam. Não estavam sozinhos. Um homem mais jovem sentara-se, na parte de trás do banco, a olhar o jardim.
Talvez não quisessem falar perto do desconhecido. Talvez não tivessem nada para dizer. Talvez ouvissem os murmúrios das conversas das velhas senhoras [talvez cansados de as ouvirem… talvez o contrário…]. Talvez estivessem como eu a pensar na vida, sentados num banco de jardim, num fim de tarde cansado [ou, apenas, cansados e a descansarem].
.
.
Curiosamente, o grupo de três mais dois sentara-se de costas para o jardim…
As árvores floridas, o verde oxigenado seria bem menos interessante do que o movimento dos carros e dos transeuntes [num fim de tarde cansado de véspera de segunda-feira]?
Os dias da semana e dos meses e dos anos serão, assim, tão iguais uns aos outros?
.
.
Haverá uma pausa na rotina para visitarem o posto dos CTT e recolherem o cheque da pensão de reforma…
Haverá uma ida ao Centro de Saúde para levantarem as receitas médicas… Talvez uma consulta de rotina, com uma médica indiferente e asséptica, como a minha…
Haverá uma visita à farmácia, para aviar a receita [e ficar a dever alguns medicamentos que entram em conta corrente…] e um encontro fortuito com velhos conhecidos… Depois, virá a conversa amigável com a farmacêutica, que se oferece para lhes medir a tensão e anotar os valores no talão amarrotado do histórico das tensões arteriais… Aí, queixam-se do que não tiveram oportunidade de contar à médica. Outros clientes começam a manifestar impaciência [a farmacêutica chama mais funcionários ao balcão]. Certifica-se se estão a cumprir as instruções da medicação… e trata-os pelo nome próprio, com meiguice, despede-se…- Voltem quando precisarem!...
.
.
Alguns velhos senhores e velhas senhoras não voltam, tão cedo. Têm vergonha dos montantes que se acumulam nas suas contas correntes. Outros foram internados e os vizinhos comentam.
[Naquela farmácia os produtos de beleza são dos mais caros das redondezas. Paciência. Primeiro a saúde. Também não deixam de se vender e uma mão lava a outra!... ]
.
.Acrescente-se que a farmacêutica tem uma cara lindíssima e uma voz alegre. É jovem e ainda parece mais nova, porque é alta e se veste com cores juvenis por baixo da bata branca semi-aberta. Tem sempre uma pequena oferta, nas quadras festivas, para presentear os clientes e nunca diz os meus doentes!
.
.
[Tenho saudades dela e das afinidades cinéfilas que partilhávamos, para além de tudo em que concordávamos, sem ter que utilizar palavras inúteis. Agora, que vivo noutra cidade e não frequento aquela zona de Campanhã, a minha farmácia é mais uma entre tantas...]
.

.
.
.
dedicado a uma farmacêutica jovem e verdadeiramente solidária, Fotos de um fim de tarde cansado

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Quarta-feira pensativa e apreensiva...

.
.
Começo a recear estar doente, mesmo.
Desta vez as enxaquecas fizeram a sua estreia durante o horário lectivo [um capacete plúmbeo sobre a minha cabeça, bem pior do que a cor deste céu!...].
A verdade é que não dá muito jeito dar aulas sem ver nada, a não ser disparos foto-eléctricos, durante mais de vinte minutos...
Não fora já ter distribuído o trabalho e a turma ser calminha e solidária [com a professora também e é preciso dizer-se] e teria sido bem mais debilitante.
Lá tomei o analgésico potente, recuperei a visão, mas também a pressão intracranina...
.
.
Na segunda aula, tinha as luzes do projector para me incomodarem ainda mais!... Tive outra turma solidária e deu direito a assistente que, praticamente, conduziu a aula do princípio ao final... [Uma aluna que muitos consideram problemática e eu não! Coisas...]
Cada vez que falava a tensão arterial descia... o que valeu foi o debate sobre a consciência ética kantiana.
Uma aluna especial e o Kant salvaram-me!...
.
.
.
.
A partir da próxima terça-feira, as enxaquecas terão outra Escola para se manifestarem, lá mais para o final do dia. Vou começar a minha formação na didáctica específica da minha disciplina. Vou ser aluna, também...
Não sei para que me desfaço em trabalhos...
Esta quarta-feira foi de apreensão em relação a uma carreira que me está a pôr doente, sem tempo para fazer averiguações sobre a matéria e sem conseguir pensar com clareza.
.
.
Começo a colocar a hipótese de parar e fazer outras coisas. Não sei se mereço dar cabo da minha saúde e também já não sei se a Escola me merece, com o devido respeito [porque não estarei a conseguir fazer melhor do que o que faço; até podia fazer, se... se... se tanta coisa, que já nem depende de mim!].
.
.
Mesmo assim, como não sou de deixar as coisas a meio [herdei esta característica do lado materno], acordei aos sssss e passei mais uma quarta-feira a trabalhar e sem internet...
No entretanto, levantei-me para pôr e tirar cortinas da máquina de lavar [limpezas de páscoa adiadas, de somenos importância, vendo bem], mais tarde, reguei o jardim e descobri que estava um calor incomum, lá fora..., depois, aproveitei para pensar que não tenho que ser fiel à minha biografia, a seguir adiei decisões mais definitivas para mais tarde... e voltei a sentar-me.
Quase acabei os meus trabalhos de hoje [ficam sempre uns pendentes para me deitar tarde e cedo erguer, que não dá saúde e pouco importa se não faz crescer, porque cresci mais do que o suficiente, em devido tempo...].
.
.
Não tive dores de cabeça. Mas tudo o resto me doeu.
[Continuo às voltas com a circularidade do tempo horário... Que coisa redundante e improdutiva!]
.
.
.
Fotos de Outra Escola, que também será a minha