quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Crepúsculos...



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Os breves minutos crepusculares também são dos meus favoritos.
Porque se anuncia a noite, sem ser?
E se acendem as luzes,
de repente?
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São pequenos prazeres da semi-obscuridade.
São artifícios de luz
na membrana, ainda límpida, das cores nocturnas.
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Assisto à morte de um dia sem ter que morrer?
Um dia que passa sem ainda ser passado?
Um pequeno futuro até ao próximo - crepúsculo - claro!
[a caminhar para o escuro]
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É! Também são os meus momentos especiais.
Que são tão poucos, afinal...
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quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Noite, madrugada e aurora


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Tenho saudades de me deitar bem tarde... sem ter de me levantar bem cedo, ao toque irritante de um despertador.
Faz-me falta a noite. Vejo melhor com luz artificial. Penso melhor com o silêncio da vizinhança.
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Desde pequena que dormir era morrer.
Prolongar a noite era enganar a morte.
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Já não penso assim. Mas continuo a precisar dos serões que entram pelo friozinho da madrugada.
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sábado, 20 de outubro de 2007

Maldições do nosso tempo





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Quando cheguei ao Porto, a refinaria de Leixões estava no seu auge de produtividade e poluição.

Da última parte ninguém falava.

Fala-se, agora, quando o cenário é de um filme apocalíptico de uma ficção científica não muito longíncua, postecipada para os confins de um Séc. XXI, na altura, tão distante...



Mas até o meu pai dobrou o ano 2000!... Por pouco, mas conseguiu.

Também ele conviveu com a crescente decrepitude da refinaria de Leixões.
[Saudades da simplicidade do meu pai... que viu o mundo passar por ele, sem nele querer interferir mais do que o necessário, para eu poder dizer que, num heróico low profile, chegou ao Séc. XXI!]
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Convivem com este monstro de engenharia arquitectónica [ou vice-versa] pequenos campos de milho, cuidadosamente cuidados por gente de Perafita e arredores.
Os animais pastam nas pequenas leiras em pousio. Os proprietários de uma agricultura de subsistência [que o Estado teima em não querer admitir que existe e insiste em sobreviver] colhem o milho e as batatas, paredes meias com as torres desbotadas da refinaria.
Separam-nos redes de arame verde escuro, para não destoar com a cor do milho.
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Passo pela praia da Boa Nova e tenho, desde sempre, a visão destes anacronismos:
A antiga Casa de Chá, projectada pelo arquitecto Siza Vieira, cada vez mais na moda!...
Ali perto, nos rochedos, por vezes batidos pelas ondas, existe a placa com o poema de António Nobre, o poeta da praia da minha infância, aqui no Porto - Leça da Palmeira - também ela, a praia dos poemas de antanho, do livro "Só", fora de moda no seu próprio tempo...
Estes dois ícones estão bem em frente ao mar...
Depois, a imponência ignorada da Refinaria, do outro lado da estrada, com os torreões de ficção científica. Deles saiem chamas que lembram bocas redondas de dragões mitológicos. E fumos brancos, ou com várias tonalidades de cinzento, que correm pela troposfera, conforme as inclinações e a intensidade das nortadas ou do vento de nordeste.
O nevoeiro, tão frequente, torna os fumos baixos e rasantes. Tingem-se, multicolores, com a proximidade da hora crepuscular. E sempre, sempre, o cheiro pestilento. Mas as praias repletas de gente, ignorando o vento, ignorando o frio e a fumarada que existe. Porque não existe só na minha memória, de há mais de 40 anos.
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Todavia, não consigo deixar de acrescentar que estas imagens me fascinam. Se puder, este é o itinerário que escolho para vir para casa, sempre que viajo de mais ao norte [invariavelmente, ao sabor da nortada, aquele vento que enlouquece, ainda mais, os que já são loucos, como dizia a minha avó...].
E que não me canso de olhar estes torreões, as labaredas e as luzes acesas, aqui e ali, ao final do dia, quando começa a escurecer. Então dou comigo a pensar - há lá gente a trabalhar... ainda há lá gente... - talvez, à procura de um sentido patético para a existência de tal dinossáurio na (des)graça do ano de 2007.
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terça-feira, 16 de outubro de 2007

Espuma triste de tardes poluídas à beira-mar



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Tenho passado horas sozinha, quando estou em casa. Compromissos meus que me obrigam a ficar. Compromissos dos meus, que os obrigam a sair. Esta solidão e silêncio contrastam com o barulho das horas que passo na escola. [Barulho inevitável, outro prescindível, outro desgastante.]
Como esta espuma, ao longe, parece outra coisa. Bem perto e bem observado, não passa de poluição.
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Nestes últimos tempos, que foram de mudança, tenho pensado se não seria, ainda, o tempo para fazer mudanças maiores e partir para sítios [se é que existem], onde a espuma do mar ainda é branca e lembra o que é - espuma do mar!... e onde a agitação das pessoas ainda seja o que parece anunciar - a vontade imensa de comunicar e de dizer palavras cheias!
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Apesar de ser meu costume pensar que nunca é tarde... apesar de ter sempre achado que não devemos ser escravos da nossa própria biografia... apesar de ter mudado tantas vezes, sem olhar para trás... Apesar de tudo isto, desta vez, pergunto-me se não será demasiado tarde, para inflectir ou deflectir os percursos.
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E penso, ainda, que talvez não devêssemos trair os nossos sonhos de infância, para ficar com um punhado de espuma amarela nas mãos engorduradas pela poluição dos tempos.
Deveria ter sido freira missionária... para ir para África, inspirada nas revistas dos meus tios padres (do lado do meu pai), de Portugal de Além Mar. [Tão criança, que não percebia a ligação de tal vocação com o catolicismo banalizado, no quotidiano das quinzenas dos setembros, passados na Beira Interior.]
Deveria ter sido jornalista repórter, ou enfermeira paraquedista... para ir para África, inspirada nas primeiras grandes reportagens dos primórdios da televisão, em Portugal. [Sem perceber que iria enfiar o nariz numa guerra colonial que acabou, quando eu teria a idade para tomar alguma decisão nesse sentido... ]
Deveria ter ido para Lisboa tirar um curso superior em Antropologia... para ir para África, mas o Porto foi o sítio que escolheram para tirarmos cursos superiores!...
Deveria ter ido para África. Ponto final.
E não sei porque razão houve esta fixação por África. Nunca lá fui. Não tenho lá família [os poucos que tinha regressaram e nunca contaram as histórias da África do desejo da minha infância], nem amigos.
Agora é tarde.
É tarde para mim....
[Talvez nem sobrevivesse à primeira semana, com tanta vacina que teria que tomar e vomitar...]
É tarde para África...
[E isto é mais importante que o meu desejo adiado. Talvez não sobrevivam à espera das vacinas e dos dias de muitos amanhãs sem esperança.]
Se chorasse, por não ter desejado o suficiente, em vez de lágrimas, dos meus olhos talvez brotasse esta espuma triste de tardes poluídas à beira-mar.
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sábado, 6 de outubro de 2007

Pois, se somos feitos de pó das estrelas...


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Ontem, a minha cabeça voltou a sentir-se assim, esmagada, por um peso maior. Nova enxaqueca, nova viagem, para as entranhas!
Era feriado [how convenient...] e estava sozinha em casa.
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Embora tivesse mais com que me ocupar, tal como os ausentes, pude dar-me ao luxo de fazer algumas experiêncas com as ditas interrupções/irrupções no meu quotidiano.
Não tomei analgésico.
Não interrompi a tarefa que estava a fazer.
Não vi tantas manchas fotoeléctricas, enquanto deixei de ver o que fixava.
Durou menos tempo.
No final, fiquei cansada de tanto experimentar e adormeci no sofá.
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Acordei com uma dor enjoativa, mas suportável [e eu suporto mal dores de cabeça, pudera!], que também persiste quando tomo drogas paliativas.
E pensei - Já não é mau! Não tenho que me intoxicar com comprimidos fortíssimos.
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Quando o J. chegou e eu acordei, trocava varanda com corredor e tinha alguma dificuldade em diferenciar os significantes de frigorífico, exaustor e micro-ondas.
[Nada que me fizesse grande falta recordar, já que não fiz o jantar, dada a minha fraca condição... O J., na sua inocência de leigo e crente na nova medicação preventiva, ficou mais triste e decepcionado do que eu.]
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Mas presumo que lá se foram mais um neurónios... Talvez não devesse ter-me posto a dormir.
A sensação que tenho é a que se tem com os miúdos, quando eles batem com a cabeça e nós, adultos, não devemos deixá-los dormir e verificamos se não vomitam, se conseguem interagir normalmente, tudo isto com um saco de gelo em cima do hematoma, com eles a berrar que dói e que está frio!...
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No final da noite doía-me o corpo por ter estado tempo demais deitada e sem grande força para contrariar a modorra. Acabei a apanhar com mais umas ondas do televisor e do vídeo, porque queria voltar a ver um filme que quero que os meus alunos também vejam e anotem.
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E lá se foi mais um 5 de outubro, com honras para a educação, vinda dos célebres e ilustres, na nossa capital. Pois acho bem, se é que estávamos todos a falar do mesmo [que me parece que não...]. Também acho que é sempre fácil e útil falar do palanque!...
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Mas não. Para que não haja mal-entendidos, não os queria ver a eles, nas escolas, a dar no duro [queria vê-los a dar no duro onde devem fazê-lo!]. Só poderia ser um espectáculo deprimente.
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Até porque, duras... duras!, são as cadeiras onde os alunos se sentam, durante blocos de 90 minutos, vários por dia, por vezes, seguidos, com breves intervalos de 10 minutos para atravessar corredores e pavilhões, comer qualquer coisa no bar, ir aos lavabos, com os cacifos do lado oposto [sorte, enquanto os há!] e camionetas para apanhar, ao final do dia, que não esperam por quem se atrasa. Ponto final.
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Depois querem que não se dobrem, que não se curvem, que não de mexam, que não escorreguem para trás e para a frente, que não implorem que deixe sair 5 minutos mais cedo, por favor... e eu, na minha imperturbável falta de convicção, não deixo!... pois não fossem esses neurónios que me fazem cumprir estas regras a fundirem durante as enxaquecas!...
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Andamos todos com uma pedra imensa a prensar-nos as cabeças. Tanta evolução para estarmos, outra vez, tão próximos do pó das estrelas, no pior sentido possível. Sou mais parecida com aquele seixo do que com a minha irmã!
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