quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Requiem para um amigo que não chegou ao natal...




.
Foi colhido pelo comboio de Aveiro, na véspera de natal, num apeadeiro de Valadares.
Ao que parece, tinha ido tratar de uns assuntos [os do costume, receber o dinheiro das telas já vendidas, mas não pagas, assuntos de que os artistas, agora, também têm que tratar, para além de criar...].
Já atrasado, suponho, cada vez mais míope... Não sei.
Sei que será cremado o corpo (ou o que resta dele) do nosso amigo e pintor Miguel D'Alte, amanhã, no cemitério do Prado Repouso.
.
Finalmente, como o bom artista é o artista morto, pelo menos no nosso país, não terá mais problemas em ver os seus quadros vendidos...
.
Curiosamente, o Miguel era um pintor meticuloso e cerebral, com que eu gostava de comentar as obras e brincar com a frivolidade das artes em portugal.
Mas, na cerâmica (nos workshops organizados pelo meu marido e que eu presenciei), a sua relação com os materiais era quase oposta.
Ofereceu-nos esta pequena escultura que eu sempre associei à pessoa que ele era, para mim [alguém que precisava de elevar a cabeça com as próprias mãos para (sobre)viver neste mundo, assim, como quem arregaça as baínhas das calças para não as molhar nos charcos sujos...]. Está e estará a guardar a porta do quarto do meu filho, numa expressão simbólica, que sempre teve.
.
Já não temos Miguel. Mais uma vez, "tão cedo passa tudo quanto passa". [Ricardo Reis]
Ficará a obra... Porque a tem, espalhada por quem a aprecia e por quem nem sabe o que tem.
Vou lembrar-me dele, inevitavelmente. Vamos! Aqueles que gostavam do Miguel, ainda que por razões diferentes.
.
Eu despeço-me do Miguel, que podia sujar-se nas tintas e nos pincéis, mas que se indignava com os charcos sujos desta vida. [- Eu só sei pintar, não sei fazer mais nada. - Parece que não chegava... não chegava, mesmo. É triste viver num país que não acarinha os artistas, quando eles o são, isto é, bons!]
.
.
.

10 comentários:

  1. No fim vai dar tudo certo...há coisas que não entendes...


    Doce beijo

    ResponderEliminar
  2. Era da família da Dalila D'Alte Rodrigues?

    ResponderEliminar
  3. (Só hoje descobri este cantinho...)

    Este é um país onde quem passa com nível quase só encontra passagens sem nível. As excepções só confirmarão esta regra (ditada por mim mesma agora e, portanto ...sem pretensões).

    Um beijo moldado com as formas da nossa incapacidade para compreender estes absurdos, mas pintado com o verde da esperança...

    Mariadosol

    ResponderEliminar
  4. faço minhas as palavras do profeta
    "no fim vai dar tudo certo...há Coisas que não entendes..."

    ResponderEliminar
  5. Olá T.A.
    O Miguel era um dos irmãos da Dalila. Pois era...
    Bj

    ResponderEliminar
  6. "... mas que se indignava com os charcos sujos desta vida!".

    isso me basta. da tua comovida homenagem.

    ResponderEliminar
  7. o "polimorfo" é (está)uma gracinha.
    grato.

    beijo

    ResponderEliminar
  8. O Miguel é uma pessoa maravilhosa e deixou-nos a sua Obra .
    Miguel Ângelo D'Alte é um nome da
    História da Arte e da Pintura do século XXI .
    OS seus quadros revelam sentimentos contra a violência ; expõem a dor e o sofrimento dos povos oprimidos. Há uma busca constante e angustiante sobre o nosso lugar no Universo.Também estão lá os nossos medos mais profundos e outros fantasmas.
    Mas depois desta luta do artista, está lá o Homem gentil,amigo,puro,generoso que adorava o seu filho Afonso .
    E a tristeza de não estares cá desaparece , porque alguém como tu mereçe estar melhor...e onde estás ...é o azul dos teus quadros.

    ResponderEliminar