domingo, 10 de agosto de 2008

De certa maneira... a china, aqui tão perto...


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Num dos nossos regressos ao Porto, de uns poucos dias, durante este mês de Agosto, em que estivemos fora, passámos pelo supermercado para comprar aquelas pequenas coisas, que não se deixam ficar e dá jeito ter em casa, tais como pão fresco e fruta…
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Nem saí do carro. Fiquei virada de frente para os prédios.
Para não me esquecer que tinha chegado ao Porto, ali estava, outro velho conhecido, talvez à espera que o supermercado fechasse, para vasculhar no lixo o seu jantar, como vejo fazer, tantas vezes, a tantos outros, quando os contentores são colocados na rua, na hora de fechar. Tiram, meticulosamente, caixas de fruta, de iogurtes, de carne, escolhem, voltam a compor o caixote e a fechar a tampa…
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As pessoas continuam a fazer a sua vida normal, como se não os vissem, passam e seguem… O Porto também é um lugar de contrastes e mendicidade… todos os dias… e não só neste, em que me atrevi a captar um instantâneo de pobreza… [também, de indiferença…], porque a vida segue em frente para quem tem outros afazeres.
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Pensei em escrever sobre isto, naquele dia, porque é tão comum este cenário… já não se esgota em zonas como o Marquês. Não são velhos a pedir, normalmente. São homens e mulheres com um olhar alienado e perdido… são portugueses e estrangeiros… [Alguns, com a minha idade...]
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Depois desta foto, alguém passou a recolher beatas no chão e a guardá-las no bolso de uma camisa suja, sem olhar para ninguém a não ser para o chão, carregado delas. Presumo que escolhia as maiores. Lembrei-me dos mesmos gestos, de quem apanha conchas na praia e deita fora uma, porque descobriu outra bem mais bonita. [E não me senti, nada bem, comigo própria, quando acabei a comparação…].
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Quando cheguei a casa, passei as fotos da máquina para o portátil, olhei para esta e resolvi não lhe pegar mais. Não pedi licença para a tirar… foi um gesto quase predador… de miséria alheia.
No entanto, depois dos posts anteriores e do comentário da Mdsol, lembrei-me dela. Resolvi ir buscá-la, porque não é preciso ir à China… [nem para ver os Jogos Olímpicos, no seu maior esplendor…] e eu não tenho nada contra os Jogos Olímpicos, ou contra os chineses, enquanto indivíduos… Os desígnios desta escolha, de Beijing, são tão complexos, que outros, bem mais habilitados do que eu, já devem ter discursado e escrito autênticos tratados políticos e económicos sobre o assunto…
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O que é um facto, é que não me apetece ouvi-los, ou lê-los. Também sei que perdi a vontade de espreitar para a televisão e seguir algumas das competições de que tanto gostava… e se as encontro, ocasionalmente, não tiro o mesmo prazer [embora as performances e os tempos tenham melhorado, ao longo destes anos].
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[Penso que não é da idade e de algum desânimo pessoal, dos últimos tempos. Penso que é dos tempos, mesmo. Penso que é da pobreza generalizada, que já nem consigo deixar de fotografar, sem pedir licença…]
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.Foto de Agosto de 2008, Porto ao final do dia

6 comentários:

  1. Também penso que é dos tempos. Da indiferença que cobre como manto gélido todo o nosso mundo,, cada vez mais prepotente e menos solidário.
    Raio de tempo este, que precisamos mudar!

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  2. Querida um ar de
    Embora já esteja de férias ainda não fui de férias.
    Estive uns dias a tentar encher a alma de azul e das cores do monte - que são muitas e lindas - o que me faz tão bem. Porque de vez em quando pega-me uma tristeza que não sei exactamente de onde vem, apenas a sinto. Tem a ver, também, com o que escreves. Sobretudo quanto aos velhos. É tão triste a condição de velho - da maior parte deles- neste nosso tempo. Mesmo dos que não andam a pedir pelas ruas. Mesmo daqueles que nos são próximos. Não consigo deixar de pensar que há tantas coisas que podiam ser bem diferentes do que são. Bem melhores quero eu dizer. E nós também podíamos ser melhores. Não seria assim tão difícil. Seria? Parece que este tempo também se entranhou em nós e não nos deixa ser, às vezes, de outra forma.
    Espero até ao fim das férias encher-me de força e coragem para prosseguir nos dias que estes tempos, assim, nos dão.
    Um beijo e vê se descansas.

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  3. Olá :)
    Entendi o erro, estranhei por me tratar por você.
    Como já teve oportunidade de ver no meu blogue também já falei sobre este assunto, e sinceramente acho que são poucos os que olham e memorizam esses gestos.

    Ainda hoje de manhã, perto de um contentor de lixo ouvi uma música que ecoava e algum barulho de sacos, era um homem (digo eu) dentro do contentor, e se afundasse, ou se fechassem a tampa por mera maldade ou distração?
    O mundo é cheio de contrastes, e digam o que disserem do Brasil, que só há ricos e pobres eu contesto, pois estive lá 15 dias e só no último dia é que um miúdo pediu ao meu pai "umas pratas".
    Aqui é porta sim porta sim, e há que ter atenção de onde vem essa pobreza.

    Depois há contrastes dentro da dita "pobreza", pois também há "pobres" que pedem por telefone.

    Gostei muito deste texto, a meu ver dos melhores que aqui tem.

    Beijinho :)

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  4. Tens essa condição de nunca te esqueceres (alienares) do essencial. Por isso tudo te assenta tão pesado! Eu sei. Sei. Se sei!
    (apesar do meu esforço confesso, para, ultimamente fugir de "estar" assim).

    Esta geração (pode não ser só cronológica...) de "charneira" ...

    Oh Tinta entendo o que dizes.

    beijos despertos

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  5. Os senhores pensam que eu sei comentar estas coisas tão importantes que aqui são escritas? Não, não tenho esse atrevimento.
    E não acho bem dizer só: ai que bonito, ai que lindo.
    Quando eu for mais competente, passo a comentar.
    Por agora, e para não levarem a mal, já posso adiantar que também ando tristinha com tanta miséria por aí. Que aqui a Tela tem o coração do tamanho dum...elefante.

    Espero que fiquem mais satisfeitos comigo.

    Uma noite descansada para os senhores.

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