quarta-feira, 30 de abril de 2008

Tempos de Maio, em crepúsculo de Abril...


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.Em vésperas de 1º de Maio, dia do trabalhador, não sei o que me parece ter que trabalhar [e com esta falta de vontade…].
Que tempos são estes, em que tudo me parece de uma inutilidade fragilizada e que fragiliza?
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Não me faz bem o convívio semanal com os meus Confrades da Filosofia [que já pouca filosofia leccionam, com o proliferar de novas disciplinas, regateadas para o nosso grupo, com receio de se esvaziar a carreira…]. Definitivamente, não me faz bem. Fora raras excepções, ouço o discurso do caos e do sem remédio [que remediado estaria – palavras da minha avó!].
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Andamos à volta do perfil do aluno, há três sessões e, como seria de esperar, não se chegaria a acordo, mesmo que fosse essa a discussão [que não tem sido, maioritariamente falando].
Carpir é o verbo mais adequado, quando não se puxa da citação para revelar desagrados pessoais sobre autores de manuais da disciplina, por exemplo.
Depois, colocar a questão do aluno como o nativo digital e os professores como mutantes do papel para o digital, é de uma ingenuidade colossal, plasmada num diapositivo pindérico de um PowerPoint que não há meio de avançar.
[Entre mim e os meus alunos, a que domina melhor os meios digitais, devo ser eu, bem como a que tem melhor equipamento informático, em casa.]
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De facto, a única tecnologia que os meus alunos dominam com melhor destreza do que eu, são os telemóveis [um ou outro, o Ipod]. E não o faço melhor, porque não preciso, de facto. Mas também consigo mandar um SMS sem olhar para as teclas… É uma questão de economia de tempo, ou não ter os óculos de ver ao perto [por perto…].
Quanto a jogos da PlayStation, já tive os meus dias, quando jogava com o meu filho, na outra consola [ainda ganhei alguns e passei de nível, várias vezes].
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Nos tempos em que andava no liceu, talvez mais nova do que os meus alunos [essa, é capaz de ser a diferença, substancial], lembro-me dos recadinhos em papel, que eram transportados de mão em mão, até chegarem ao destinatário, por vezes, interceptados pela professora e com direito a grandes reprimendas, que não nos impediam de prosseguir com a brincadeira.
Também tínhamos intervalos para conversar uns com os outros, não se justificando, aparentemente, tal necessidade de comunicar dentro da aula.
Mais ainda, tínhamos furos [e não eram poucos…], onde aproveitávamos o tempo como queríamos, dentro da escola, estirados na relva, quando estava bom tempo, ou nos bancos do salão polivalente, perto do bar, quando chovia…
Mesmo assim, os bilhetinhos escritos e os olhares cúmplices persistiam, com a respectiva distracção, que lhe estava subjacente, continuando nas aulas seguintes.
[A este propósito, os meus alunos serão nativos digitais… apenas porque o medium é um telemóvel?].
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Actualizo, rotineiramente, para cada turma, a plataforma da Escola. Contam-se pelos dedos [de uma só mão], quantos são os alunos que fazem acessos numa base quinzenal. Já nem digo semanal! Uma grande parte, não tem internet em casa. Na escola, não têm horário. Nos cibercafés pagam. Não é fácil requisitar portáteis para aulas de substituição [que, quer queiramos, quer não, na maioria dos casos, não têm plano de aula…].
Por isso, são os meus alunos que continuam na era das fotocópias e eu na era digital, praticamente, sozinha.
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Continua a escavar-se um fosso entre os que têm e os que não têm. E não é por desleixo, ou falta de vontade. Os portáteis da Sra. Ministra não são oferta. Obrigam ao pagamento de uma mensalidade, prolongada no tempo. Instalar e configurar a internet, em casa, implica mais do mesmo.
Os meus alunos não são os alunos dos outros professores. Ponto final e vice-versa.
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O perfil do aluno?
É a diversidade infeliz...
Essa realidade não está no diapositivo, sobre o qual não se avançou nada, em três sessões.
Começo a concluir que as diversidades são, cada vez mais, sinais de infelicidade e de vida nas margens.
Por outro lado, o rio e o seu caudal não passam de um ribeirito, para os eleitos refrescarem o dedo grande do pé [não sem um certo nojo, porque a água tem as cores da estagnação e da futura secura e porque há piscinas em casa...].
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Por estas e outras [razões?], não me sinto bem entre pares?
Nem me apetece cumprir certas normas superiores?
Nem me acho capaz de compactuar com estas assimetrias que a escola acentua, porque não se esquiva a reproduzi-las [para além da falta de seriedade como se ensina - o quê - e se avalia – o quê …]?
E dou comigo a falar o discurso de outros e a sentir que, se não me convence, como posso continuar a falar?
Não façam.
Não digam.
Não.
Não.
Não.
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[A primeira palavra que o meu filho aprendeu a dizer não foi mãe, nem pai. Foi NÃO, para grande tristeza da família. Apenas pensei que talvez lhe desse mais jeito do que chamar pela mãe, ou pelo pai. Quando o ouvia, sabia que talvez fosse importante aproximar-me e averiguar. De certa maneira, também era um chamamento…]
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Foto de um crepúsculo do dia 25 de Abril de 2008

14 comentários:

  1. linda um ar de:
    [comentário um tanto febril, estado em que me encontro desde ontem ao fim do dia, sem perceber porquê, nem outros sintomas normalmente associados]
    Dizes que te sentes mal entre pares...
    Muito rapidamente:
    POssivelmente só agora se te escancara a diferença. Daqui de longe adivinho (ou estou certa) de formação e carácter rigorosos! E cultura humanista suficientemente compreendida e vivida para, à partida, até prova em contrário, tomares todos como se regendo pela mesma bitola de rigor e empenhamento que assumes. Longe de ti pensares que eras especial aqui há uns tempos [estarei a adivinhar demais e a extrapolar?].
    Minha linda, infelizmente concluí não há muito e sem soberbas que, grande parte age por (re)agir, faz por fazer, anda por andar.
    Não podes sentir-te mal contigo por causa dos pares. Aceita que podes, ao teu modo, e na tua medida, ser ímpar!
    Um beijo

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  2. Nada como ser a segunda a escrever. A primeira já disse tudo.
    A fotografia é linda [O rio Minho em forma de grande lago até chegar ao mar?]
    O teu texto [como sempre muitíssimo bem escrito] fez-me lembrar um ensaio do Alessandro Baricco sobre a globalização, onde tenta provar que tal coisa não existe se analisada com rigor, a partir dos pressupostos em que a própria assenta. Tal como ideia de senso comum do aluno-suportado-digital e do professor-suportado-papel. O aluno é um mito...há alunos e cada um é um apenas, e uma turma de 30 alunos são 30 turmas...
    Gostei muito de te ler. Quando voltarmos a almoçar desenvolvo a tese do Alessandro Baricco, que além do mais é um excelente escritor de romances.
    Beijo grande em suporte digital...

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  3. Minha querida Maria do Sol,

    Preocupa-me o teu estado febril. Mas, não me espanta. Com a chuvada de ontem à noite e o vento frio dos últimos dias, não há quem não se ressinta.
    Segui o teu conselho e tiritei no sofá, enquanto descansei, no meio de sonhos estranhos, quase pesadelos.

    A minha mãe, que aproveitei para visitar a caminho dos "pares", basicamente, disse-me o mesmo que tu, numa conversa relativamente longa...
    Mesmo acreditando nessa ideia de, ao meu modo e na minha medida, ser ímpar [para as mães, somos sempre ímpares, até para reforçar essa qualidade nelas próprias...], seria complicado poder aceitá-la, sem constrangimentos exteriores e sem ser, até, penalizada por excentricidade.

    Para além disso, não é uma característica que tenha contribuído para a minha felicidade.
    E, isso, as mães adivinham com toda a facilidade. Ora, a minha mãe continua com uma frescura, que nem eu tenho, para além de uma resistência à idade surpreendente.

    Saio sempre com a sensação de que posso abalar a felicidade que constrói e reconstrói todos os dias, persistentemente, à maneira dela e quase me apetece calar-me ou não aparecer.

    No entanto e apesar da nossa conversa, foi com a mente aberta que vi chegar os "colegas" e que me sentei, ao lado, (des)esperando... afinal.

    [Beijo de melhoras...]

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  4. Era tão fácil adivinhares o rio Minho, querida Tinta Azul!...

    As suas águas misturaram-se com as do mar das tuas fotos, certamente, naquele dia... e nos outros, a seguir...

    Fiquei mesmo curiosa com o Alessandro Baricco... e com o facto de partilarmos mais uma daquelas excentricidades de que falava no comentário com a Maria do Sol.
    No seguimento do que conversámos há oito dias atrás, não são meras opiniões intuitivas [como admiro a intuição nos outros] mas, tal como tu, quando os assuntos me impelem, acho que penso neles com o cuidado que merecem.
    Pois havemos de falar deste assunto... quem sabe não terei conseguido tempo para me informar mais sobre o autor?

    [Beijo digital, pois então!...]

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  5. Currículum

    O Conto é muito simples
    Você nace
    Contempla atribulado
    O vermelho azul do céu
    O pássaro que emigra
    E o torpe escaravelho
    Que o seu sapato esmagará
    Valente.

    Você sofre
    Reclama por comida
    E por costume
    Por obrigaçao
    Chora limpo de culpas
    Extenuado
    Até que o sono o descualifica

    Você ama
    Transfigura-se e ama
    Por uma eternidade tao provisória
    Que até o orgulho se lhe torna terno
    E o coraçao profético
    Converte-se em escombros

    Você aprende
    E usa o aprendido
    Para transformar-se lentamente num sábio
    Para saber que o fim do mundo é isto
    O seu melhor momento uma nostalgia
    O seu pior momento um desamparo
    E sempre, sempre
    Uma confusao.

    Entao
    Você morre.

    Mario Bennedetti






    nunca sei nenhum porquê :)

    mas ocorreu-me este poema depois de te ler a 1º vez ~


    abraÇo.beijO

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  6. / desculpa o você...

    da tradução brasileira :)

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  7. Não sei que foi feito do comentário que fiz ontem. Como já era tarde não devo ter copiado as letras com exactidão...
    Dizia-te que o Alessandro Baricco é de filosofia também.
    Que o livro que falei é o NEXT.
    Que li dele Seda [lindíssimo], City, Sem Sangue [fortíssimo] e Novecentos. Este último foi transposto para o cinema pela mão de Tornatore. Vê este meu post já antigo http://aluaflutua.blogspot.com/2006/10/novecentos-de-alessandro-baricco.html
    Baccio, pois então!

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  8. Querida Undress,

    Já te respondi no teu sítio.
    Achei que o que tinha para te
    dizer ficava melhor ali.

    Obrigada pelo poema... sim...

    [BEIJO... MEU]

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  9. Querida Tinta Azul,

    Pois não resisti e andei pela net à procura de A. Baricco...
    Também descobri essas tranversalidade da "pessoa" e fiquei com imensa vontade de o ler.
    Achei uma estranha coincidência partir da filosofia e passar pela televisão e pelo cinema...
    Também simpatizei com a cara dele, um ano mais velho do que eu!...

    Obrigada pela "apresentação".
    Gostei imenso do pouco que vi e li.

    [Beijo enormeeeee]

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  10. Olá :)
    Devo dizer que a meu ver a tecnologia colocou fim a muitas coisas que eu ainda tive oportunidade de ver.
    Na minha turma todos têm internet, ou computador apenas, mas por vezes não o utilizam porque estão de castigo.
    Outros não utilizam porque não sentem necessidade.
    Os que não têm utilizam os livros...

    É complicado estudar sem internet, sim.
    Mas no seu tempo por exemplo, não havia tantas facilidades, e isso não a impediu de prosseguir.
    A "era dos papéis", mesmo com internet ainda continua, pois acho que o que ainda domina a nossa sociedade é o legado que ainda vêmos por aí.

    Mas tenha força, pois as suas aulas podem ultrapassar a internet, e serem de fácil acesso a todos.

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  11. Querida Marta,

    Obrigada pela força... :)
    Tens razão, as aulas vão decorrendo, apesar dessas assimetrias...

    Pois que remédio. Mas é pena que uns tenham demais e até fiquem de castigo, provavelmente, pela insistência e pelo tempo que perdem... e outros nada tenham, não é?

    Sobretudo, quando penso na minha aluna R., que teria todas as condições para não ser nada e consegue, no meio de tanta falta de tudo, ser uma menina cheia de projectos de vida!... cheia de vida, também.

    [BeIjo]

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  12. Ora aí está um retrato real, bastante dorido embora, que vem trazer transparência ao que a propaganda governamental nos quer impingir.
    Bom fim de semana :))

    (O Paredes ficou para fazer companhia a todos...)

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  13. " aluno como o nativo digital e os professores como mutantes do papel para o digital..."

    isto é assim? não imaginava!...

    ó menina, para quê a Filosofia?muda de "consola". JÁ!...

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  14. Amigo Herético,

    Percebo que te esteja a entediar, com estes episódios rocambolescos, nos novos tempos a ensinar filosofia no secundário...

    E terás razão, pois se me entedio a mim própria... E, afinal, pouco escrevo do que realmente parece ser.

    Achei piada a esse "ó menina..." e a esse "...muda de consola.".
    Sobretudo, a esse "JÁ!"

    Já, nem que pudesse, nem que quisesse, não dá... Não é que não esteja a pensar em mudar de "consola".
    Não é que não tenha outras "consolas" em vista.
    Preciso de chegar ao final do ano lectivo, por causa dos alunos.
    Tinha jurado que, nem que fosse a arrastar-me!... [E até se está a cumprir o desígnio...].

    Nunca é tarde, de facto, para se mudar de "consola".
    Nunca é tarde, se ainda há força.
    Se não se acredita no que estamos a fazer.
    Se tal é o caso, que é.

    Por isso, achei curioso o "JÁ". Não és só tu que o dizes.
    Quem me está muito próximo repetiu-o com esse mesmo tom, várias vezes.

    Porque... todos os dias há mais um episódio para o justificar. Ontem não foi excepção, a próxima semana também não o será.

    Obrigada pelo "conselho" e pela paciência em me leres, afinal.
    Julguei que terias desistido.


    [BEIJO amigo]

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