segunda-feira, 7 de julho de 2008

Uma tarde de domingo...


.
.
Está sempre vento nas praias do Atlântico…
Caminho enregelada.
Às vezes, sinto mais frio no Verão do que no Inverno. Vou preparada para o sol e a nortada ecoa nos ouvidos, entra pelas roupas, gela os joelhos. Foi sempre assim. Não será da idade.
A minha avó dizia que o vento faz mal aos loucos!... [Penso nisso, sempre.].
.
Hoje, acordei assim, encolhida de frio…
Saíram todos, para os seus afazeres e continuei a dormir, sem dar grande conta, fazendo entrar nos sonhos os pequenos barulhos matinais que tentaram abafar.
Aos poucos, começo a conseguir dormir mais... Aos poucos, o corpo parece esquecer-se das madrugadas e acorda, sem o despertador.
.
.
Aos poucos, começo a ter outras vontades [apesar de ainda ser prematuro]. Escrevem-se outras escritas… Desejam-se outros lugares… Deseja-se…
Há tentativas de passeios. Há saídas para comprar pequenas coisas [que não compro, porque tudo me parece igual e redundante e as grandes coisas já não sei o que são e não haveria dinheiro que as comprasse, certamente].
.
.
E volto, com as mãos cheias de inquietudes. Penso nos breves encontros e em breves palavras, que se trocam com desconhecidos. Como é relativa a dimensão das coisas!... São pequenas histórias que prometem vidas inteiras, que ficam por contar. [Ainda me tratam por menina, embora lhes reconheça a vizinhança da minha idade, apesar de carregados de rugas e cansaços, bem mais visíveis, que me fazem pensar como o tempo é cínico e, também ele, marca as diferenças.]
.
.
Enquanto passeio por entre os pescadores de domingo, no molhe, admiro a paciência da espera. Quando um peixe pica o anzol, nas águas poluídas, que se confundem com a foz do Douro, para que serve? São peixes com colorações estranhas e doentias. Pergunto se os comem, a medo. Sorriem… [acharia que não, mas temo que sim…].
.
.
[Afasto-me. Está maré-cheia. As ondas batem com força nas rochas e no molhe. Sentem-se salpicos na aragem, Melhor fora suspender a respiração. Ainda olho para trás. Outro peixe picou o anzol. Deixo-os com a tarde de domingo e um adeus… Aqueço-me no carro a caminho de casa.]
.
.

11 comentários:

  1. ser menina : trata-se

    mais da ausência de rugas interiores.

    praias e ventos. a mim são-me vazios de ecos.

    às vezes escuto sereias quando o vento atlântico

    me aperta mais a cabeça

    me dói profundamente nas têmporas:

    sei claramente que

    tudo me é

    noutras geografias que

    pouco

    me passa de mim pelo mar...



    ~

    ResponderEliminar
  2. O caos da natureza com toda a alegria da liberdade do corpo e da mente...intensamente vivenciado e muito bem fantasiado...

    serenas fruições.

    ResponderEliminar
  3. Já li e já "treli". Parece-me que já estás na estação onde vai passar o combóio que leva ao descanso. Deixa-te embarcar. Embarca!

    ResponderEliminar
  4. Que bem escreves!
    Que bem me sabe ler-te assim
    como quem despe o peso da roupa de Inverno e , ainda que com frio - um outro frio -, caminhas rumo ao Verão.
    "Agarra o Verão "
    Beijo de brisa morna :)

    ResponderEliminar
  5. Que bom é acompanhar-te nessas peregrinações interiores, a reflectir e a procurar, no meio dos outros.
    Que encontres o que procuras...
    Beijo

    ResponderEliminar
  6. Escrita única e arrepiante :|
    Devo dizer que sempre que aqui venho deparo-me com muitos recursos estilisticos, que aparentemente saem facilmente de si.
    Um texto descritivo, mas muito leve.
    Gostei, e dou os meus sinceros parabéns.

    Beijinho

    ResponderEliminar
  7. a tua escrita. como vento. que se agita... e sente. na face.

    ora acariciante... ora fugidio!...

    como cais povoado. de histórias por contar.

    gostei muito

    ResponderEliminar
  8. As circunstâncias também nos fazem...

    ResponderEliminar
  9. Saboreei cada palavra e senti uma certa nostalgia...

    ResponderEliminar